BELO PECOPIN
Uma fábula infantil de Victor Hugo que nos ajuda a refletir sobre foco e prioridades

Em sua única história para crianças, a “A lenda do belo Pecopin e da bela Bauldour”, Victor Hugo mostra a importância da clareza de propósito e da autoconsciência para se viver intensamente sem se perder na intensidade.

Conta a história de um belo casal apaixonado. Na véspera de suas bodas o noivo recebe um convite para uma caçada fantástica, irrecusável e breve. De convite em convite, de demanda em demanda, e guiado por suas emoções e desejos vai se distanciando de seu propósito e de seu casamento.

Não consegue recusar pedidos, tem dificuldade em colocar limites, sofre para dizer “não”, sobrecarrega-se assumindo mais tarefas, projetos, atividades… Mas também se deslumbra e realiza. Perde o controle do tempo, dias, meses e anos voam como 100 anos em uma noite. O corpo se ressente, a mente se confunde na clareza de suas competências e afazeres. E o reconhecimento chega com mais dinheiro e benefícios, mais prestígio e poder. Mais trabalho, mais desafio, mais e mais, sempre mais, ainda que do mesmo.

Mais do quê? Ao aceitar o primeiro convite, a primeira caçada, por qual projeto estou me deixando levar? Sempre há ganhos e motivos. Se não existissem não nos seduziriam e envolveriam, não ganhariam nossa atenção e dedicação. E também não há problema nisso se consegue responder a uma simples pergunta: para quê? Para que aceitar uma caçada na véspera de sua boda, belo Pecopin? Para que se entregar ao trabalho como único pilar em sua vida, quando ainda tem outros tão atraentes e possivelmente intensos em paralelo?

Aceitar ou não aceitar tem a ver com propósitos claros. Se você os tem, cuide para que estejam à frente de suas decisões, ao invés de estarem à frente de suas reflexões. Isso implica em saber o que você quer produzir na vida, aonde quer chegar. Desta forma, frente aos convites da vida, poderá ponderar com mais clareza ganhos e perdas advindos. Sempre há alguma dose de sacrifício, mas frente a um sacro ofício, há sentido.

Já se você não tem um propósito, lance-se para procurá-lo. O movimento é fundamental para se descobrir e identificar o que te chama. Preso em seu castelo nada acontecerá a Pecopin, que aceita a caçada que se avizinha. Contudo, manter os sentidos aguçados é elemento diferenciador: olhos e ouvidos bem abertos, observando tudo e conectados com as emoções, captando as nuances que permitem esboçar um sentido nesta caçada sem fim ou até mesmo colocar um fim à esta caçada, partindo-se para outra empreitada.

A intensidade envolve e consome, podendo gerar desconexão entre o que experimento no mundo externo e o que faz sentido em meu mundo interno.  Viver intensamente uma experiência pode me aproximar ou afastar do que me importa. Nesta intensidade posso me encontrar ou me perder. A autoconsciência, percepção de quem sou, o que busco e o que me afeta pode ajudar na regulação desta intensidade.

Mudamos e, ao longo do tempo, o propósito cristalino pode ficar um pouco mais turvo até estar completamente opaco. Pode perder o sentido ou descobrimos que nunca teve tanto sentido assim. Hora de se lançar a uma nova caçada ou experiência que ressignifique nossa vivência. Rever o propósito também faz parte da jornada.